sexta-feira, 24 de maio de 2019


Tribunal Administrativo decide pela manutenção do concurso de guarda florestal da GNR


O


Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa anunciou esta sexta-feira à tarde, que julgou improcedentes os pedidos apresentados pelos advogados dos candidatos “João Sorridente” e "Manuel Sabichão" quanto à ilegalidade do Aviso nº 3055 (constante do Diário da República, 2ª série, nº 40, de 26 de fevereiro de 2019), atribuindo assim, a manutenção do Concurso de guarda florestal da Guarda Nacional Republicana.

Os julgadores entenderam que “os particulares constituintes da parte interessada, invocaram diferentes formas de invalidade, revelando tal facto, uma determinada incoerência no pedido formulado”, revela o acórdão.

Recorda-se que estava em julgamento o caso de dois candidatos excluídos do último concurso de guarda florestal da Guarda Nacional Republicana, após a constatação da ausência de 6 dentes do “João Sorridente”e a insuficiência na prova de conhecimento em razão de conteúdo não previsto no Aviso do candidato "Manuel Sabichão".

Os defensores de ambos os candidatos alegaram ainda ter havido a participação nos atos de seleção e graduação do certame de dois primos, sendo um Secretário de Estado do Ambiente e outro seu Assessor.

Nas suas alegações, o Estado, representado pelos seus defensores públicos, negou que a relação de parentesco entre Assessor e Secretário de Estado tenha afetado a validade do certame, uma vez que estes não foram partes interessadas no concurso.

Argumentou também que a prova de conhecimento de Direito Ambiente seria exigível aos candidatos para o exercício de guarda florestal e sublinhou que “uma dentição saudável pode contribuir para um melhor desempenho do guarda florestal, evitando-se, assim, trâmites desagradáveis e ineficiência numa situação de emergência”, disse um dos advogados. 

Com o resultado desse julgamento, as regras de seleção do Aviso, que já foram alvo de críticas pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS), continuam válidas.

Até o fechamento desta edição, os advogados dos candidatos excluídos não responderam se irão recorrer ou não da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.


Post realizado pela aluna Andressa Rodrigues Ferreira de Oliveira, nº 61647 

Caros colegas, Por motivos de impossibilidade de colocação do documento com as devidas formatações, o acórdão final da simulação, encontra-se no e-mail de subturma (14). Pedimos desculpa pelo incómodo, Grupo do Tribunal.

sexta-feira, 17 de maio de 2019


Começou o julgamento de candidato “desdentado” excluído do concurso de guarda florestal da GNR


Simulação de Julgamento - Direito Administrativo II - FDUL 2019

O


Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa começou na manhã de hoje a primeira parte do julgamento do caso de dois candidatos excluídos do concurso de guarda florestal da Guarda Nacional Republicana, depois de um período de candidaturas marcado por muitas polêmicas.

Curiosamente, as motivações para não admissão foram a falta dos 6 dentes da frente do candidato “João Sorridente” e a insuficiência na prova de conhecimento em razão de conteúdo não previsto no Aviso nº. 3055 / 2019 do candidato “Manuel Sabichão”.

Além disso, segundo consta no processo administrativo, o qual a agência X teve acesso, as defesas de ambos os candidatos alegam ter havido a participação nos atos de seleção e graduação do certame de dois primos, sendo um Secretário de Estado do Ambiente e outro seu Assessor. É o já tão conhecido caso “Family Gate” que levou o pedido de demissão de ambos.

Aberta a sessão de julgamento pela Juíza-Presidente, iniciou-se a arguição pelos advogados do candidato “Manuel Sabichão”, os quais apontaram a discrepância entre o conteúdo da prova de conhecimento com o constante no Aviso.

Segundo os defensores, não há qualquer referência à doutrina do Direito do Ambiente no Aviso e o conteúdo jurídico não se coaduna com a escolaridade de um cidadão do 12º ano exigida pelo concurso.

A defesa do “Manuel Sabichão” alegou ainda que a participação dos citados familiares no procedimento infringe o princípio da imparcialidade, nomeadamente escusa e suspeição: “sendo o primo um afim de terceiro grau em linha colateral. O Secretário de Estado do Ambiente deveria ter pedido dispensa de intervir no procedimento como não o fez”.

Já os advogados do candidato “João Sorridente” alegaram que sua exclusão pela falta de dentes levanta sérios problemas de legalidade e de constitucionalidade, uma vez que viola o direito fundamental de acesso ao emprego público e que a Administração ao eleger essa diferenciação entre os candidatos “parece dar preferência e relevância exagerada a critérios estéticos que se demonstram desnecessários, até pelas funções que este vem a exercer”, ponderaram.

Vários foram os princípios da atividade administrativa apontados para fundamentar os argumentos de nulidade do Aviso nº. 3055/ 2019, e como consequência, do próprio ato de exclusão do candidato “João Sorridente”.

Os advogados da Administração Pública, por sua vez, contestaram veementemente durante mais de 20 minutos as distintas proposições levantadas pelos defensores de ambos os candidatos.

Sobre o conteúdo da prova de conhecimento tratar de temática Direito do Ambiente, alegaram que o Aviso nº. 3055 / 2019 ao circunscrevê-la como “cultura geral” da atualidade ampliou o seu conteúdo avaliativo exigido, de tal maneira que não há que se falar em violação da boa-fé ou da tutela da confiança, pois a temática está estritamente relacionada com o exercício da profissão de guarda florestal.

Os defensores afirmaram ainda que “valendo a prova cerca de 75% da ponderação final, [...] Manuel Sabichão não poderia sequer vir invocar com precisão que teria sido excluído do concurso por ter a classificação de zero valores numa das provas, dado que as restantes provas e respetivas classificações também são devidamente ponderadas”.

Quanto aos critérios de exclusão em razão da falta de 6 dentes do candidato “João Sorridente” os advogados mencionaram que “a falta de dentes poderá constituir um obstáculo ao guarda florestal no desempenho de certas funções que poderão ser necessárias num estado de emergência, ou de sítio. De entre as mais variadas situações que poderão ocorrer, como por exemplo pedagógico, libertar um animal preso numa corda ou arame e, sem qualquer outro meio ou instrumento do qual se possa recorrer, poderá o guarda florestal, intuitivamente, recorrer à dentição para libertar o referido animal”.

Em relação à suspeição e necessidade de escusa, em virtude do vínculo de parentesco (no terceiro grau) havido entre o Assessor e o Secretário de Estado do Ambiente, assunto mais aguardado na pauta do dia, os advogados da Administração Pública foram incisivos em afirmar que não há violação do princípio da imparcialidade.

O Assessor e Secretário de Estado “não foram partes interessadas no concurso público” e “não houve sequer qualquer participação no processo de admissão e escolha dos candidatos”, foram suas últimas palavras.

A aguardada sentença que, dependendo do resultado, poderá afetar não só os destinos dos candidatos “João Sorridente” e “Manuel Sabichão”, já tem data para ser proferida.

A conferir.




Post realizado pela aluna Andressa Rodrigues Ferreira de Oliveira, nº 61647

P.S: Por se tratar de um texto jornalístico, a acadêmica tentou aproximar o conteúdo jurídico do mais informativo possível, por isso preferiu não mencionar os dispositivos legais citados pelos oradores. 
                       

terça-feira, 14 de maio de 2019

Contestação do Governo à ação conjunta de impugnação do concurso público extraordinário de ingresso na carreira de guarda florestal



1. Notas Introdutórias

1.1 Enquadramento factual

A presente contestação surge como reação da Administração à ação conjunta de impugnação do concurso extraordinário para o ingresso na carreira de guarda florestal, realizado nos termos do Aviso nº3055/2019, a qual tem como autores os particulares João Sorridente e Manual Sabichão.
Alegam os particulares (candidatos) terem sido ilegitimamente excluídos do concurso: João Sorridente, pela falta de seis dentes e Manuel Sabichão na sequência da obtenção de zero valores numa prova escrita integrada no concurso.
Vêm ainda levantar a questão da anulabilidade dos atos de seleção e graduação dos candidatos, os quais teriam sido alegadamente praticados por dois primos (o Secretário de Estado do Ambiente e o seu Assessor), verificando-se uma suposta causa de suspeição.
Visa a Administração, com o presente, defender a validade e conformidade à lei dos referidos atos.





1.2. Enquadramento jurídico

1.2.1. Concursos Públicos – considerações genéricas

Para efeitos de maior contextualização, cumprirá abordar-se o tema dos concursos públicos. Quanto à sua definição, o Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA) limitou-se a dispor que “ao concurso público são admitidas todas as entidades que satisfaçam os requisitos gerais estabelecidos por lei.”, – artigo 182º/2 CPA - o que nos sugere, desde logo, a sua primeira caraterística: não observa limites ao número de candidatos, já que são admitidos a concurso todos os candidatos que satisfaçam os requisitos legais genericamente determinados. É uma consubstanciação do princípio da obrigatoriedade, vigente na nossa ordem jurídica, sendo aplicável à celebração de contratos administrativos de colaboração subordinada.
Posto isto, confrontado com uma “abstenção” do legislador português em prever e disciplinar a regulamentação do concurso público, e não havendo uma noção do mesmo – conforme supramencionado – o intérprete (Administração), tendo em vista a escolha do(s) candidatos, terá de se pautar pelo respeito não só dos parâmetros legais aplicáveis como também dos princípios fundamentais ínsitos ao Direito Administrativo e seus norteadores. Assim, feita esta precisão, podemos definir o concurso público como um procedimento administrativo formal (e transparente) que tem em vista a escolha de um candidato (ou proposta de contrato) e mediante o qual a Administração virá tornar pública a sua intenção de contratar e as condições em que o pretende fazer: decorre daqui um princípio de auto-vinculação da Administração às decisões que toma (aqui, anuncia) que terá como consequência ulterior a predisposição, por parte desta, num regime de concorrência, a aceitar a proposta do candidato por ela considerada vantajosa, pautando-se logicamente (e sempre) pela salvaguarda da igualdade entre todos os proponentes.



1.2.2. Dos concursos públicos em detalhe

Far-se-á um breve excurso pela figura do concurso público. No âmbito do concurso público podemos distinguir dois tipos de exigências: aquelas que são postas aos candidatos e as exigências de escolha da proposta; verifica-se aqui uma dupla decisão, em que uma será relativa à habilitação dos candidatos – admissão ao concurso público – e a outra quanto à própria admissão da proposta (“vencendo o concurso público”).
No âmbito do concurso público, é concedida aos candidatos a faculdade de conhecer os cadernos de encargos e programas do concurso. Como genericamente abordado, resulta do concurso público uma restrição da discricionariedade da Administração, criada pela própria auto-vinculação a que se subordinou com a realização do concurso público e a consequente intenção de contratar, com todos os juízos de imparcialidade que se terão de fazer, consubstanciando a restrição da discricionariedade, tida como necessária à realização da função-essencial do concurso público enquanto garante de uma ponderação objetiva do melhor candidato, para efeitos de pronta prossecução do interesse público (e proporcionalidade).




1.2.3. Formalidades

Existem no procedimento adjudicatório formalidades de índole administrativa e financeira cuja infração pode originar a invalidade administrativa do ato, a sua ineficácia financeira ou a responsabilidade civil da Administração.

Quanto à forma:
Ao contrário do que sucede com a generalidade dos procedimentos administrativos, onde domina, em larga medida, o princípio da informalidade – de acordo com o qual não existe um programa-regra desenhado do princípio ao fim – no direito da contratação pública, a regra é a do formalismo procedimental ou da adequação formal da tramitação. Significa, então, que a entidade adjudicante deve conduzir o procedimento de acordo com os trâmites e formalidades previstas na lei sob pena de incorrer os atos procedimentais numa ilegalidade invalidante. Note-se que nem tudo está previsto e ordenado na lei, ou seja, resta sempre o órgão adjudicante alguma margem de discricionariedade procedimental para inscrever no programa do procedimento ou para adotar no exercício da sua competência decisória formalidades e sequências específicas.
A discricionariedade regulamentar de que as entidades adjudicantes gozam para, em função das necessidades ou especificidades das escolhas pré-contratuais a fazer ou das condições de execução do contrato a celebrar, incluir no programa do procedimento formalidades ou fases procedimentais não previstas na lei, encontra-se atribuída no art.132º/nº2 do Código dos Contratos Públicos (cuja aplicabilidade se verifica por via da remissão plasmada no artigo 202º CPA) nos termos do qual “o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.
Note-se, todavia, que em relação à formação dos contratos que digam direta e principalmente respeito a uma ou várias das atividades dos setores especiais, o art. 132º/nº5 do Código dos Contratos Públicos prevê que a entidade adjudicante pode introduzir no respetivo programa “regras destinadas a proteger o carácter confidencial das informações contidas nas peças do procedimento”.
A preterição das formalidades ou da sequência legal ou regulamentar dos procedimentos de contratação pública constitui uma ilegalidade que a lei e os princípios gerais sancionam de diverso modo, consoante a dignidade da norma violada, o interesse por ela protegido e os reflexos da infração cometida no desenrolar e decisão do procedimento. Quanto aos atos formalmente ilegais da autoria de qualquer dos candidatos ou concorrentes que participam, a sua eventual invalidade só releva na medida em que se repercuta numa decisão ou omissão da entidade adjudicante que tomem o ato do particular como seu pressuposto (ou requisito), sendo então em função da hipotética invalidade causada com isso a tal decisão que se determina a sanção aplicável ao caso.
Havendo ilegalidade invalidante, a regra é a da anulabilidade do ato ou decisão administrativa, aplicando-se-lhe assim, nessa parte o regime dos arts. 135º e 137º (a contrario) do CPA.


 

1.2.4. Princípios subjacentes à atuação da Administração em sede de Concursos Públicos

Princípio de Livre-Concorrência
É um princípio que, pela sua larga abrangência a subprincípios e corolários reconduzíveis ao princípio da igualdade, acaba por ser a este remetido, uma vez que vem tutelar valores e interesses idênticos. Na sua essência – e daí a sua remissão para a igualdade – exige-se de que os concorrentes sejam tratados de forma igual, exigindo-lhes os mesmos requisitos de acesso e assim, colocá-los nas mesmas condições para vencer o concurso público.



Princípio da Igualdade
É um princípio imanente aos concursos públicos e ao particular concurso público que vimos defender. Afigura-se como um princípio que, dada a sua substância e relevo constitucional enquanto pilar fundamental do mais elementar princípio do Estado de Direito (democrático), tem um tratamento dogmático e alcance extenso e complexo. No que diz respeito ao princípio da livre concorrência e à relação (de grande cumplicidade, refira-se) havida entre os dois princípios, decorrerá que serão ilegítimas todas e quaisquer disposições que venham a restringir, condicionar e limitar a concorrência vindo subverter a natureza do concurso público, transformando-o num concurso limitado. Claro está, e este é um ponto supra frisado e que voltamos a frisar, destas exigências de legalidade e livre concorrência não decorre um imperativo de sobre-limitação dos requisitos a ponderar para efeitos de admissão num concurso público: impõe-se um tratamento igual do que é igual e desigual daquilo que é diferente, como se sabe, mas sempre almejando a definição de requisitos de caráter geral de acesso (ou possibilidade de admissão) a tal concurso. Também é ademais sabido que para fazer tratar por igual o é que é igual e diferente o que é diferente tal será sinónimo de atender a requisitos gerais de ‘absoluta igualdade’ entre todos os que os preenchem, não se permitindo requisitos que na sua essência são critérios de exclusão discriminatórios (no pior sentido da palavra )mesmo que a justificação para tal seja o interesse público: tanto mais que não seja porque a proibição da discriminação é uma decorrência constitucional com um aspeto absolutamente fundamental no nosso ordenamento inegável e inultrapassável. Posto isto, em síntese, deve-se assumir que os procedimentos de contratação pública têm de estar necessariamente subordinados às exigências legais, numa postura de abertura ao mercado que fomente uma sensação de confiança da parte dos interessados na avaliação subjetiva e objetiva que se fará da sua pretensão.
De tudo o exposto no que concerne ao princípio da igualdade, cujo tratamento extensivo não nos cabe, importa ter sempre bem patente o relevo estrutural, fundacional que este assume ao nível do nosso ordenamento, o que vem explicar a sua consagração no Art.º 13/1 da Constituição da República Portuguesa, conferindo aos cidadãos a mesma dignidade social e igualdade perante a lei. E essa importância só tinha de vir consubstanciada em lei, dispondo o Art.º 6 do CPA que a Administração Pública deverá de atuar de acordo com o princípio da igualdade no que diz respeito aos particulares, não conceder benefícios ou prejudicar alguém em função de critérios com potencial-discriminatório referidos na lei. Reforçando o que já foi abordado no parágrafo anterior, reside na igualdade dois vértices essenciais e distintos avançados pela doutrina: o da proibição da discriminação (ativa ou passiva) e um tratamento necessário do igual ao que é igual, e do diferente na medida da diferença.



Princípio da Boa Fé
Também é um princípio que vemos subjacente às relações jurídicas em geral, e, dada a sua importância e relevo basilar, também está presente nos concursos públicos, que têm a especificidade de consistir num procedimento administrativo pré-contratual onde se cria uma relação de confiança juridicamente tutelada entre a entidade adjudicante e os potenciais cocontratantes. Estaremos a falar de uma confiança legitimamente fomentada e que, por isso, merecerá tutela do Direito, quando a Administração torna pública a sua intenção de contratar por concurso público: o princípio da tutela da confiança afirma-se plenamente em sede de concursos públicos, tendo não só em conta a legítima confiança suscitada nos interessados, como a própria natureza que o concurso público assume, de procedimento administrativo que vem preceder à celebração de um contrato. O certo juízo de intencionalidade da parte da Administração em contratar, que nos é dado pelo concurso público, ou seja, um procedimento (administrativo) pré-contratual prova-nos a necessária admissibilidade da boa fé e da tutela da confiança enquanto regedoras dos concursos públicos, não devendo estes na qualidade de procedimento administrativo pré-contratual lesar a legítima confiança das partes (que, de resto, é algo transversal ao Direito).



Princípio da Imparcialidade
De tudo o exposto decorrerá a necessidade de um princípio da imparcialidade, que é inerente à natureza do concurso público. Este princípio, historicamente de base processual e aplicado pelos Tribunais ao longo dos tempos, prescreve que a Administração Pública deverá ser dotada de total imparcialidade, quer na resolução de um caso, quer na emissão de normas gerais e abstratas (que pode fazer, refira-se). Em suma, exige-se uma posição altiva, distante, idónea, “acima das partes” como forma de salvaguardar ao máximo a segurança jurídica. Toda uma lógica que não deve eclipsar em sede de concursos públicos.
Da imparcialidade decorrerá necessariamente que a Administração Pública deverá tomar as suas decisões com base em critérios objetivos que permitam a prossecução do interesse público, rejeitando-se a aplicação de critérios subjetivistas, subordinados a interesses alheios das partes, desde órgãos, a funcionários ou mesmo, no limite, a partidos políticos. Deste raciocínio podemos assim destrinçar o princípio da imparcialidade em duas vertentes.
Na vertente positiva, estará em causa um dever da Administração Pública de ponderar todos os interesses públicos e privados considerados relevantes ao caso concreto, considerando-se parciais todas as decisões que não hajam tido exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos, atendíveis.
Na vertente negativa, que nos interessa especialmente para a contestação que ora fazemos, quer os titulares de órgãos, quer os agentes da Administração estarão impedidos de intervir em atos que digam respeito a questões relacionadas com interesses pessoais ou familiares. Quanto a esta, destacam-se duas situações consequenciais lógicas: as de impedimento e as de suspeição, considerando-se as primeiras mais graves que as segundas.
A diferença entre estas duas situações relaciona-se essencialmente com o facto de nas situações de impedimento, a lei vir obrigar a uma substituição do órgão ou do agente administrativo (normalmente competente, ao passo que nas situações de suspeição, a substituição não se tem como obrigatória mas sim facultativa, ficando a cargo de ser requerida pelo próprio órgão/agente que pedirá escusa de participar naquele procedimento; pode também ser requerida pelo particular que, num imperativo de salvaguarda das suas pretensões, teme pela imparcialidade da ponderação a ser feita. Para efeitos da contestação que aqui fazemos, a imparcialidade afigura-se como um ponto que importa destacar e defender pela sua manutenção, sendo precisamente em matéria de suspeição (vulgo, incompatibilidades) que ora abaixo faremos a nossa refutação ao que terá sido alegado pelo(s) particular(es).



A Prossecução do Interesse Público
Está bem presente que a Administração Pública está adstrita à necessidade de prosseguir o interesse público, com limites claro: legais e mesmo no que concerne a juízos de proporcionalidade, por exemplo. Só assim conseguirá esta alcançar a melhor satisfação do interesse que se visa prosseguir. Desta premissa podemos rapidamente concluir que a prossecução do interesse público é um corolário subordinado e limitado pelo princípio da legalidade que, enquanto absolutamente basilar no nosso ordenamento, encontra-se previsto nos Arts.º 266/2 da CRP e no Art.º 3/1 do CPA, afigurando-se como um princípio basilar do Direito Administrativo, como se sabe.
Não obstante a sua essencialidade, este está sujeito a três exceções, que a Doutrina habitualmente apõe: teoria dos atos políticos, o estado de necessidade e o próprio poder discricionário da Administração, que, em bom rigor não é uma “mera” exceção mas uma verdadeira forma especial de legalidade administrativa, que ocorre nas situações em que a regulamentação legal da atividade administrativa não se tem completa, conferindo à Administração Pública a capacidade (leia-se, discricionariedade) de, vinculadamente, encontrar a solução que melhor se enquadre e se adeque à prossecução de um interesse público. Para além da sua necessária e íntima relação havida com o interesse público e a sua prossecução, o poder discricionário reconduz-se a imperativos subjacentes ao princípio da legalidade, uma vez que este só será possível quando a lei atribui à Administração a faculdade de escolher o modo como deverá proceder (subjaz aqui a lógica de auto-vinculação inerente à Administração, como supra referida).
No que concerne ao caso com que ora nos debatemos, o poder discricionário evidencia-se na questão relacionada com Manuel Sabichão, uma vez que a norma vem apenas indicar os temas aos quais se devem circunscrever as questões que irão compor a prova de conhecimentos, conferindo à Administração a liberdade (discricionariedade) de decidir quais as concretas perguntas que comporão a respetiva prova que veio a ser realizada pelo douto particular.




1.2.5. O Ministério do Ambiente

A defesa do Ministério do Ambiente deve também alicerçar-se nas leis que o estipulam ou que, de certo modo, o complementam.
Passaremos então, nos próximos parágrafos da nossa argumentação, à análise precípua da Lei Orgânica do Governo e ao decreto-lei nº 17/2014, de 4 de Fevereiro, que aprova a Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.
A Lei Orgânica do Governo, relativamente à estrutura do Governo, consagra, no seu artigo 1º/1, conjugado com o artigo 2º/a), que o Ministro do Ambiente e da Transição Energética é parte constituinte do Governo, especificando no seu artigo 16º quais os coadjuvados no exercício das suas funções, a saber: o Secretário de Estado Adjunto da Mobilidade, o Secretário de Estado do Ambiente, a Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza e o Secretário de Estado da Energia. Importante, neste seguimento, é chamar à colação o artigo 10º/1, dada a essencial cooperação do Secretário de Estado do Ambiente com o Ministro do Ambiente nos trabalhos executados.
O Ministro do Ambiente e da Transição Energética é, nos termos da Lei Orgânica do Governo, competente para “a formulação, condução, execução e avaliação das políticas do Ambiente, bem como todos os parâmetros que se enquadrem no ordenamento do território – cidades, transportes urbanos, suburbanos e rodoviários de passageiros, mobilidade, alterações climáticas, clima, conservação da natureza e energia e geologia”. Exerce a direção da Secretaria Geral do Ministério do Ambiente, no termos do artigo 26º/2/a), logo, tal é essencialmente relevante para o nosso caso, onde estamos, de facto, na presença de uma política em matéria de Ambiente e conservação da Natureza (cujo objetivo é, essencialmente, preservar as florestas portuguesas na iminência dos nefastos incêndios que assolam todos os anos o território nacional).
O número 5 do mesmo artigo merece também, neste âmbito, o devido destaque, uma vez que postula que o Ministro em causa, aliando-se ao Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, exerce a dita superintendência sobre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, quanto às matérias que se incluam nas suas atribuições. Esta mesma relação vai de encontro ao que está vertido na própria Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, ordenamento do território e energia, no seu artigo 20º/1. A partir da referida Lei Orgânica poderemos, pois, enquadrar a conduta do Ministro do Ambiente quanto à abertura do concurso extraordinário para o ingresso na carreira de guarda-florestal, evidenciando-se aqui aspetos relevantes para a fundamentação da sua posição.
Veja-se, neste sentido, o artigo 2º e a subsequente enumeração das atribuições do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia (MAOTE). Salientam-se, aqui, no nosso entender, “o dever de promover a proteção, valorização e a utilização dos recursos naturais, territoriais, energéticos e geológicos, na medida em que deve garantir a preservação do património natural, a conservação da natureza e, por fim, a proteção e valorização da paisagem”. Ainda de ressalvar é que, se analisarmos cuidadosamente o artigo 4º/a), fica bem patente que o Ministério executa as suas atribuições recorrendo aos serviços integrados na Administração Direta do Estado, no qual se inclui, designadamente, a Secretaria Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.
Finalmente, por seu turno, as competências da Secretaria Geral do Ambiente vêm mencionadas infra, no artigo 9º, sendo elas: “a missão de garantir o apoio à formulação de políticas, ao planeamento estratégico e operacional, à atuação do MAOTE no âmbito internacional, (…), bem como assegurar o apoio técnico e administrativo dos gabinetes dos membros do Governo integrados no MAOTE e aos demais órgãos e serviços nele integrados (…)”. Em face de todas estas considerações que se nos afiguram fundamentais, pode afirmar-se que o Secretário de Estado do Ambiente, mediante ordens do Ministro do Ambiente, teria competência para proceder à abertura do concurso, cuja finalidade era a prevenção dos riscos de incêndio nas florestas.





2. A exclusão de João Sorridente

O Aviso vem restringir o número de dentes (não substituídos por prótese) que o guarda florestal pode ter em falta, em virtude do facto de, direta ou indiretamente, a higiene oral se ressentir na performance e desempenho do guarda-florestal. No que respeita à exclusão de João Sorridente com fundamento na falta de 6 dentes cabe à Administração Pública explicar o porque da existência deste critério. À partida, e numa visão um tanto ou quanto limitada, poderia parecer um ato de discriminação para com João Sorridente. A verdade é que a existência deste critério não é demagoga nem prepotente.

Primeiramente, a falta de dentes poderá constituir um obstáculo ao guarda florestal no desempenho de certas funções que poderão ser necessárias num estado de emergência, ou de sítio. De entre as mais variadas situações que poderão ocorrer, como por exemplo pedagógico, libertar um animal preso numa corda ou arame e, sem qualquer outro meio ou instrumento do qual se possa recorrer, poderá o guarda florestal, intuitivamente, recorrer à dentição para libertar o referido animal. Ou, na eventualidade de ter de prestar os primeiros socorros a um transeunte ferido, e não tendo forma de abrir a embalagem que contém ligaduras (para estacar a hemorragia) poderá novamente recorrer à dentição.
Isto posto, a falta de dentes poderia vedar uma ação improvisada do guarda florestal numa situação em que se revela imperioso agir com celeridade, celeridade essa que pode, como exemplificado, ser posta em causa com falta de dentição, pondo-se em risco a efetividade e a própria dinâmica da segurança da floresta.

Por sua vez, constitui fundamento o facto de a dicção por si só poder ficar prejudicada. Efetivamente, os dentes trabalham conjuntamente com os músculos faciais e a língua para a produção da fala, pelo que se algo não funciona bem neste sentido, a fala poderá ser afetada. Consequentemente, na eventualidade da ocorrência de um incêndio, sendo necessário agir com a maior rapidez possível, a fim de evitar males maiores, um distúrbio na fala poderá obstar à perceção, por parte de quem o guarda florestal tente avisar, do que está realmente a acontecer.

Poderá também a dentição (ou falta dela) revelar alguns aspetos fundamentais sobre a pessoa que concorre ao estatuto de guarda-florestal, nomeadamente, atendendo-se ao facto de que, na maior parte das vezes, a falta de dentição se revela sintomática da carência de higiene oral, higiene essa que constitui um hábito essencial e inabdicável. Perguntar-se-á se a pessoa que não revela o referido cuidado, terá o perfil indicado e pautar-se-á pelos padrões de diligência adequados para cuidar de um recurso natural, cuja manutenção e bem-estar é do interesse público.

Por outro lado, a falta de dentes torna o indivíduo mais vulnerável a infeções orais e pode levar à alteração de posicionamento dos restantes dentes na gengiva, o que, por sua vez, é passível de acelerar a queda dos dentes.

Quanto à preocupação com a má aparência, esta surge, neste sentido, como um fator social, tendo em conta que João Sorridente não possuía seis dentes da frente. São precisamente os dentes da frente (ou a falta destes) que estaria mais à vista das pessoas com quem o candidato entrasse em contacto, ao exercer uma das suas funções, enquanto guarda florestal: o controlo e segurança dos visitantes.
Desta forma, a "má aparência" de um guarda florestal não pode ser interpretada restritivamente. Atenda-se aqui aos princípios que um guarda florestal tem de concretizar, entre outros, o princípio da aproximação entre prevenção e combate, que irá implicar um reforço para a prevenção e vigilância e o princípio da especialização que permite a progressiva e tendencial segmentação de meios vocacionados para a proteção de pessoas e bens, e para a gestão de fogos rurais.
É necessário relembrar que os guardas-florestais exercem funções em matérias que por lei lhes atribuem a qualidade de órgãos de polícia criminal. Essas funções, aliadas às qualificações que detêm, são uma mais valia na prossecução do serviço da GNR, em prol da proteção do ambiente, da riqueza cinegética, piscícola e florestal. De modo a melhorar o funcionamento da organização administrativa desta atividade, que veio aumentar a respeitabilidade e a confiança pública que esta função deve ter. De maneira a manter esta respeitabilidade e confiança, há certos requisitos que não podem ser ignorados, mantendo em harmonia as funções da Administração Públicas com os seus destinatários e são assegurados pela mesma.
Aliás, podemos até argumentar que a falta de dentes (e isto é extremamente reforçado para um caso como este em que haja a falta de seis dentes da frente) pode contundir com a desinibição do guarda florestal no desempenho dessas mesmas funções (que envolvam o contacto com outras pessoas), relacionando-se com uma eventual perda de confiança do próprio (aqui, no sentido de que o guarda florestal nestas funções poderia revelar-se menos afoito).
No Aviso nº 3055/2019, verifica-se que as condições do concurso para guarda florestal são idênticas às de qualquer outro procedimento de contratação para agente das forças policiais ou de segurança. Os guardas florestais pertencem à GNR.

Cabe debruçarmo-nos sobre um último argumento:
Partindo do princípio de que nos dias que correm conseguimos excluir, a 99%, doenças que, de forma inata, provocam a perda de dentes (tal como o escorbuto) e de que, a existirem, conseguimos facilmente provar que tais doenças se vêm a manifestar devido a uma alimentação pouco nutritiva do doente ou falta de cuidado na higiene oral devemos focar-nos naquilo que, hoje em dia, provoca a perda da dentição.
Em pleno século XXI, os avanços tecnológicos a que temos assistido nos últimos anos têm permitido avanços abismais nas várias áreas científicas, nomeadamente, na medicina. Na verdade, hoje em dia, é possível detetar patologias através de pequenas marcas, feridas, etc. sem ter que sujeitar o doente a qualquer tipo de exame mais profundo e complexo. Abordamos este assunto porque através do tipo de dentição ou de fragilidades da mesma, um profissional de saúde, consegue antecipar problemas mais graves e que ultrapassam, a muitos níveis, a perda de dentes. Vejamos os seguintes exemplos: a perda de dentição pode ser provocada por uma neuralgia ou tique doloroso do nervo trigémeo, que se caracteriza por fortes parestesias e dores agudas muito facilmente confundidas com uma simples dor dentária e que, normalmente, culmina na extração de diversos dentes. Pode ainda ocultar uma doença desmielinizante, como por exemplo a esclerose lateral amiotrófica (doença que provoca a destruição do tecido nervoso) ou pode ainda indiciar a existência de certos tumores intra-cranianos que podem comprimir o nervo. Ainda assim, e sendo esta uma doença que não afeta grande parte da população devemos olhar para algo mais comum como é o caso da gengivite. A gengivite é, em fase inicial e como o nome indica, uma inflamação da gengiva. O problema reside no facto de, na grande maioria dos casos, esta inflamação resultar numa infeção gengival grave que afeta os tecidos de suporte do dente designada periodontite. Esta doença pode ser associada à má higiene oral ou á hereditariedade, sendo comum em pessoas com má nutrição, fumadores ou que tenham doenças que diminuem a eficiência do sistema imunitário como é o caso do vírus da sida ou da doença celíaca.
Feito o enquadramento científico, passemos àquilo que deve ter por base um profissional de uma força de segurança. Em qualquer uma das várias funções que se podem desempenhar na carreira militar, a robustez física é, certamente, dos requisitos mais importantes e primários. Pode ser entendida como resistência física e psicológica sendo que quando falamos em resistência física referimo-nos, não só a resistência física propriamente dita mas também àquela que não controlamos e que, por vezes, pode ser muito mais difícil de construir e cuja falta pode ser associada ao que foi referido anteriormente.
Este último argumento justifica novamente a formulação da regra do Aviso na configuração que apresenta, mas que não procede neste caso concreto, uma vez que João Sorridente havia perdido os dentes na sequência de um acidente com um navio baleeiro e não por decorrência de qualquer das patologias referidas.
Continua a servir para corroborar a fundamentação do critério estabelecido, uma vez que os casos em que as pessoas perdem, por força de um acidente, tal número de dentes serão demasiado raros para se considerarem necessários na definição do regime.
Podemos ainda acrescentar que ao admitir, no concurso, João Sorridente, a Administração correria o risco de abrir precedentes, ultrapassando os critérios impostos e regulados no diplome e que anteriormente foram, de igual forma, causa de exclusão de outros concorrentes. De qualquer modo, valem, para o caso sub judice, os argumentos anteriormente apresentados.

Assim, considera-se justificável a regulação impeditiva da admissão de candidatos a quem faltem cinco ou mais dentes não substituídos por prótese e a subsunção da situação de João Sorridente à previsão da mesma norma. Sublinha-se que uma dentição saudável pode contribuir para um melhor desempenho do guarda florestal, evitando-se, assim, trâmites desagradáveis e ineficiência numa situação de emergência.







3. A exclusão de Manuel Sabichão

Cabe agora examinar os argumentos que dizem respeito ao particular Manuel Sabichão. Ora, este vem argumentar que a prova de conhecimentos que teve de prestar, em que foi confrontado com uma questão de escolha múltipla que dizia respeito a um confronto e identificação de doutrinas de Direito do Ambiente não corresponde ao que vem a ser estipulado no Aviso 3055/2019, no ponto 11.1, alínea a), ponto 4, que nos diz: “É constituída pelas matérias de língua portuguesa, ao nível do conteúdo programático até ao 12.º ano de escolaridade; temas de cultura geral sobre a atualidade; Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro, com as alterações introduzidas pela Declaração de Retificação n.º 1-A/2008, de 4 de janeiro; ECGF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 247/2015, de 23 de outubro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 114/2018 de 18 de dezembro; Decreto-Lei n.º 22/2006, de 2 de fevereiro e Portaria 798/2006, de 11 de agosto.”

Daqui, argumenta a parte em dois planos: num primeiro plano, o Aviso de Concurso Público relevante à causa não vem estabelecer de forma expressa uma permissibilidade de temas de Direito do Ambiente na prova de conhecimentos, nem fazendo sequer qualquer alusão a doutrina de Direito do Ambiente; num segundo plano, argumenta-se ainda que o conteúdo da prova de conhecimentos com que Manuel Sabichão se viu confrontado seria algo exigível a um jurista ou um especialista em Direito do Ambiente, e não a alguém com um nível de formação do 12º ano de escolaridade.
Em consequência, invoca-se a violação do princípio da boa fé por ter havido uma violação da tutela legítima da confiança, em virtude de o particular se sentir frustrado na sua legítima confiança por força da limitação programática do aviso com que o particular legitimamente contou não corresponder à verdade material do conteúdo da prova que veio a realizar, invocando-se para o efeito o Art.º 266/2 da CRP e ainda o Art.º 10 do CPA.
Por conseguinte, invoca-se ainda a violação do princípio da proporcionalidade, previsto no Art.º 7 do CPA pela desadequação da atuação da Administração ante o fim que se propôs a prosseguir, violando-se em consequência um princípio de necessidade pela manifesta desadequação entre o conteúdo da prova de conhecimentos e o que é exigido a nível de competências a um guarda-florestal, tendo como referência o conteúdo funcional da carreira de guarda-florestal, constante do Art.º 39 do Estatuto da Carreira de Guarda Florestal (doravante, ECGF) ínsito ao Decreto-lei nº 246/2015 e ao seu Anexo II, quanto às concretas competências funcionais (específicas) de um guarda florestal.

Cumpre-nos o contraditório. Ora, é verdade que a prova de conhecimentos constante deste concurso público se encontrava circunscrita a conteúdos programáticos até ao 12º ano de escolaridade, o que, à partida, nos faria intuir que a prova, por se centrar em temáticas de Direito do Ambiente, estaria inquinada, fazendo colapsar todo o concurso público. Contudo, o Aviso também vem circunscrever (leia-se, alargar) a prova de conhecimentos a temas de cultura geral da atualidade. Importa ter em mente a maleabilidade que subjaz ao próprio conceito de “cultura geral”, que, apesar de ter um teor objetivo – enquanto elemento de conhecimento geral e transversal a uma grande quantidade de pessoas – tem também um manifesto teor de subjetividade, na medida em  que o que para uns pode representar um conhecimento de cultura geral, para outros pode não sê-lo, e vice versa; e tal é algo transversal às várias áreas do saber. Assim, há a concluir que o conceito de cultura geral (da atualidade) não é estanque e está sujeito a maleabilidade, em função do interesse que os indivíduos possam ter nas mais diversas áreas: o que para A é manifestamente evidente ao ponto de ser ‘cultura geral’ pode não sê-lo para B, e vice-versa.
E este raciocínio é também aplicado ao Direito do Ambiente e à sua relação com a carreira e profissão de guarda-florestal, enquanto carreira de íntima relação com temáticas da natureza e do Ambiente lato sensu.
Ora, atendendo à particularidade da carreira de guarda-florestal, será óbvio assumir que um candidato a guarda-florestal será alguém com algum grau de genuíno interesse (e consequentemente, conhecimento) nas áreas do Ambiente; e tendo em conta as competências genéricas do guarda-florestal (Art.º 37 do ECGF) de prestação de diligências legais e de fiscalização, bem como o conteúdo funcional dessas competências [descrito no Anexo II do Estatuto - onde cumpre destacar a ministração de formação em áreas da competência do guarda-florestal bem como a execução de tarefas administrativas (em substituição do mestre-florestal], tudo isso nos leva a intuir que haja algum nível de interesse e, assim, de sensibilidade (jurídica) num tema que será íntimo – ou querer-se-á íntimo – do interesse dos candidatos, pelo que, em síntese, podemos considerar como abrangido pela noção de cultura geral um certo nível de conhecimento ou interesse em Direito do Ambiente, essencial à carreira que os candidatos visavam integrar.
É certo que não era exigível um elevado nível de sensibilidade jurídica e dinâmica analítico-interpretativa uma vez que essa caberá aos juristas ou especialistas na área, mas, atendendo à própria natureza da prova de conhecimentos (escolha múltipla) chega-se à conclusão de que, em face das exigências da função, da cultura geral necessariamente pressuposta a uma área tão particular como esta (que requer um genuíno interesse dos candidatos extensível a um mínimo grau de ‘perceção jurídica’) e da própria natureza da prova de conhecimentos, não houve uma violação da boa fé ou da tutela da confiança, e por conseguinte, do princípio da proporcionalidade.
O conteúdo material da prova era reconduzível a uma noção de cultura geral específica daquela área, afigurando-se adequada. Para além do mais, considerando mesmo a natureza mainstream da temática do Ambiente e do consequente surgir (em força) dos denominados direitos de nova geração como é o Direito do Ambiente, a própria noção de cultura geral que cremos específica acaba por se alargar, dada a massificação do conhecimento e do interesse por essa área, revelando uma maior suscetibilidade de conhecimento e percetibilidade das teses doutrinárias alvo de prova de conhecimentos.

Em último ponto, atendendo às competências do guarda-florestal, baseada nas normas suprarreferidas, o conhecimento de diferentes posições doutrinárias pode ser sinónimo de uma mais eficiente prossecução do interesse público, já que conhecendo duas vias doutrinárias – que, por hipótese, poderão defluir em caminhos distintos – ter-se-á a hipótese de optar, fundadamente, pela que melhor o preserva, consubstanciando, deste modo, a necessidade (e essencialidade) do conhecimento (ainda que minimamente superficial, como decorre da natureza da prova) dos entendimentos doutrinários para um bom desempenho das funções para as quais os interessados se candidataram, e que teriam necessariamente de ter em conta.

Refira-se brevemente ainda que, e atentando para o ponto 14 e número 3 do ponto 11.1/a do Aviso 3055/2019, valendo a prova cerca de 75% da ponderação final, e em função da fórmula de cálculo enunciada no mesmo diploma (ponto 14), Manuel Sabichão não poderia sequer vir invocar com precisão que teria sido excluído do concurso por ter a classificação de zero valores numa das provas, dado que as restantes provas e respetivas classificações também são devidamente ponderadas, pesando na avaliação final, que, com muita probabilidade, não seria de zero valores.






4. Da rejeição da suspeição

Quanto à suspeita de suspeição e necessidade de escusa, invocada pela outra parte com fundamento no Art.º 73/1/a do CPA por virtude da relação de parentesco (no terceiro grau) havida entre o Assessor e o Secretário de Estado do Ambiente, alega-se um dever de pedido de dispensa de intervir no procedimento que, não tendo sido invocado, teria inquinado o processo de escolha dos candidatos, e o concurso público em geral, vindo a parte consequentemente alegar uma violação do princípio da imparcialidade.

No que concerne a toda uma construção teórica do princípio da imparcialidade, já supramencionada, não se afigura procedente invocar-se a violação deste princípio por uma razão muito simples: em caso algum estiveram as garantias de imparcialidade – necessárias e imperativas à condução de um concurso público e de uma decisão jurídico-administrativa em geral – em risco de degradação ou pura e simplesmente, ultrapassadas. A relação de parentesco entre Assessor e Secretário de Estado não inquinou de forma alguma a validade do ato, uma vez que estes não foram partes interessadas no concurso público: o Assessor não foi concorrente e o Secretário de Estado não foi júri, pelo que não há qualquer conflito de interesses que venha a beliscar minimamente a validade do ato, pelo que este permanece lícito.

Efetivamente, o princípio da imparcialidade não permite que quem decide possa ter, como já referimos anteriormente, algum tipo de interesse pessoal na decisão (no “ato” ou “contrato” referidos no nº1 do artigo 73º CPA), quer seja próprio ou de alguém da sua família ou a quem esteja ligado por razões de amizade ou de inimizade, o que não ocorre aqui, visto que, o Secretário de Estado do Ambiente e o seu primo e Assessor, teriam alegadamente atuado juntos nos atos de seleção e de graduação dos candidatos a ocupar as cinco vagas na carreira de guarda florestal, não se justificando por isso a suspeição, que só se daria, neste caso, se o Secretário de Estado do Ambiente fosse primo, não do assessor, mas de algum dos candidatos.

Quando muito, decorrente dos escândalos que são hoje conhecidos como familygate a única censura suscetível de se reconhecer é a mera censura político-social que não é obviamente juridicamente atendível para o caso que nos interessa. Posto isto, é nosso entendimento que não há qualquer aplicação nem do Art.º 73 do CPA nem de um consequente pedido de escusa (Art.º 74 do CPA) uma vez não estando de maneira nenhuma perante uma situação de suspeição (leia-se, incompatibilidades), rejeitando-se inequivocamente qualquer anulabilidade do concurso público.

Concluindo, a alegação de verificação de um conflito de interesses e subjacente hipótese de suspeição é por nós julgada improcedente por uma simples razão: como consta do Aviso 3055/2019, de 26 de Fevereiro de 2019, não houve sequer qualquer participação, quer do Assessor quer do Secretário de Estado no processo de admissão e escolha dos candidatos, como se depreende do « ponto 24, sendo o júri composto por militares da GNR:


«Composição do júri:

Presidente: Major-General Maurício Simão Tendeiro Raleiras


Vogais efetivos:
Tenente-Coronel Luciano dos Anjos Mesquita Freitas (substitui o presidente nas suas faltas e impedimentos).

Major Márcio Ribeiro Nunes


Vogais suplentes:
Major Robson Daniel Ribeiro Lima

Capitão Marco André Urbano Pinheiro»





5. Conclusões

A título de conclusão, cabe relembrar os pontos de refutação principais referidos ao longo da presente explanação (remetendo a sua fundamentação mais aprofundada para a mesma):
§  A falta de seis ou mais dentes, para além de sintomática de aspetos relevantes atinentes à pessoa do candidato (como a falta de higiene, o padecimento de certas doenças ou a propensão à verificação de outras), pode, em diversas situações, revelar-se inibidora da capacidade de ação do guarda florestal.

§  Para o guarda florestal, enquanto “polícia ambiental” e assegurando “todas as ações de polícia florestal, de caça e pesca, designadamente: a) fiscalizar o cumprimento da legislação florestal, da caça e da pesca, investigando os respetivos ilícitos”, pode tornar-se essencial a capacidade de identificar uma divergência doutrinária respeitante a uma questão de Direito do Ambiente, na medida em que não seja indiferente que o intérprete enverede por uma ou outra posição, ditando a adoção de uma ou outra posição a produção de resultados diferentes.

§  Finalmente, quanto à aplicação do regime da suspeição (artigo 73º CPA), declara-se que não houve qualquer participação dos dois primos (Secretário de Estado do Ambiente e o seu Assessor) e que mesmo que se tivesse verificado tal participação, a mesma não seria passível de ser subsumida a um caso de suspeição, uma vez que não havia qualquer relação entre o decisor e um dos candidatos.


  

6. Recursos

6.1. Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2ªEdição, 2015.
-AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 3ª Edição, 2016 
- SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral - Introdução e princípios fundamentais, Dom Quixote




6.2. Webgrafia

Tooth loss, chewing ability and quality of life, in https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3636836/

Primary culprit for tooth loss




6.3. Legislação consultada

http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2457&tabela=leis&so_miolo= - Decreto-Lei 247/2015, de 23 de Outubro: Estatuto da Carreira de Guarda Florestal
https://dre.pt/pesquisa/-/search/25676932/details/maximized - Lei nº 35/2014, de 20 de Junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas








2º ano | Turma B | Subturma 14


Beatriz Vera-Cruz Pinto (nº 58480)
Francisco António Ricardo Jorge Robalo (nº 58413)
Francisco Nunes (nº58424)
Inês Benquerença (nº 56870)
José Vaz Serra Cabrita (nº 58488)
Leonor Batista (nº 58179)
Miguel Alexandre Barbado Badalo (nº 59186)
Pedro Antunes (nº 59170)