Contestação
do Governo à ação conjunta de impugnação do concurso público extraordinário de
ingresso na carreira de guarda florestal
1. Notas
Introdutórias
1.1 Enquadramento factual
A presente contestação surge como reação
da Administração à ação conjunta de impugnação do concurso extraordinário para
o ingresso na carreira de guarda florestal, realizado nos termos do Aviso
nº3055/2019, a qual tem como autores os particulares João Sorridente e Manual Sabichão.
Alegam os particulares (candidatos) terem
sido ilegitimamente excluídos do concurso: João
Sorridente, pela falta de seis dentes e Manuel
Sabichão na sequência da obtenção de zero valores numa prova escrita
integrada no concurso.
Vêm ainda levantar a questão da
anulabilidade dos atos de seleção e graduação dos candidatos, os quais teriam
sido alegadamente praticados por dois primos (o Secretário de Estado do Ambiente
e o seu Assessor), verificando-se uma suposta causa de suspeição.
Visa a Administração, com o presente,
defender a validade e conformidade à lei dos referidos atos.
1.2. Enquadramento jurídico
1.2.1.
Concursos Públicos – considerações genéricas
Para efeitos de maior contextualização,
cumprirá abordar-se o tema dos concursos públicos. Quanto à sua definição, o
Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA) limitou-se a dispor que
“ao concurso público são admitidas todas as entidades que satisfaçam os
requisitos gerais estabelecidos por lei.”, – artigo 182º/2 CPA - o que nos
sugere, desde logo, a sua primeira caraterística: não observa limites ao número
de candidatos, já que são admitidos a concurso todos os candidatos que
satisfaçam os requisitos legais genericamente determinados. É uma
consubstanciação do princípio da obrigatoriedade, vigente na nossa ordem
jurídica, sendo aplicável à celebração de contratos administrativos de
colaboração subordinada.
Posto isto, confrontado com uma
“abstenção” do legislador português em prever e disciplinar a regulamentação do
concurso público, e não havendo uma noção do mesmo – conforme supramencionado –
o intérprete (Administração), tendo em vista a escolha do(s) candidatos, terá
de se pautar pelo respeito não só dos parâmetros legais aplicáveis como também
dos princípios fundamentais ínsitos ao Direito Administrativo e seus
norteadores. Assim, feita esta precisão, podemos definir o concurso público
como um procedimento administrativo formal (e transparente) que tem em vista a escolha
de um candidato (ou proposta de contrato) e mediante o qual a Administração
virá tornar pública a sua intenção de contratar e as condições em que o
pretende fazer: decorre daqui um princípio de auto-vinculação da Administração
às decisões que toma (aqui, anuncia) que terá como consequência ulterior a
predisposição, por parte desta, num regime de concorrência, a aceitar a
proposta do candidato por ela considerada vantajosa, pautando-se logicamente (e
sempre) pela salvaguarda da igualdade entre todos os proponentes.
1.2.2.
Dos concursos públicos em detalhe
Far-se-á um breve excurso pela figura do
concurso público. No âmbito do concurso público podemos distinguir dois tipos
de exigências: aquelas que são postas aos candidatos e as exigências de escolha
da proposta; verifica-se aqui uma dupla decisão, em que uma será relativa à
habilitação dos candidatos – admissão ao concurso público – e a outra quanto à
própria admissão da proposta (“vencendo o concurso público”).
No âmbito do concurso público, é concedida
aos candidatos a faculdade de conhecer os cadernos de encargos e programas do
concurso. Como genericamente abordado, resulta do concurso público uma
restrição da discricionariedade da Administração, criada pela própria
auto-vinculação a que se subordinou com a realização do concurso público e a
consequente intenção de contratar, com todos os juízos de imparcialidade que se
terão de fazer, consubstanciando a restrição da discricionariedade, tida como
necessária à realização da função-essencial do concurso público enquanto
garante de uma ponderação objetiva do melhor candidato, para efeitos de pronta
prossecução do interesse público (e proporcionalidade).
1.2.3.
Formalidades
Existem no procedimento adjudicatório
formalidades de índole administrativa e financeira cuja infração pode originar
a invalidade administrativa do ato, a sua ineficácia financeira ou a
responsabilidade civil da Administração.
Quanto à forma:
Ao contrário do que sucede com a
generalidade dos procedimentos administrativos, onde domina, em larga medida, o
princípio da informalidade – de acordo com o qual não existe um programa-regra
desenhado do princípio ao fim – no direito da contratação pública, a regra é a
do formalismo procedimental ou da
adequação formal da tramitação. Significa, então, que a entidade adjudicante
deve conduzir o procedimento de acordo com os trâmites e formalidades previstas
na lei sob pena de incorrer os atos procedimentais numa ilegalidade
invalidante. Note-se que nem tudo está previsto e ordenado na lei, ou seja,
resta sempre o órgão adjudicante alguma margem de discricionariedade
procedimental para inscrever no programa do procedimento ou para adotar no
exercício da sua competência decisória formalidades e sequências específicas.
A discricionariedade regulamentar de que
as entidades adjudicantes gozam para, em função das necessidades ou
especificidades das escolhas pré-contratuais a fazer ou das condições de
execução do contrato a celebrar, incluir no programa do procedimento
formalidades ou fases procedimentais não previstas na lei, encontra-se
atribuída no art.132º/nº2 do Código dos Contratos Públicos (cuja aplicabilidade
se verifica por via da remissão plasmada no artigo 202º CPA) nos termos do qual
“o programa do concurso pode ainda conter
quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público
consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por
efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.
Note-se, todavia, que em relação à
formação dos contratos que digam direta e principalmente respeito a uma ou
várias das atividades dos setores especiais, o art. 132º/nº5 do Código dos Contratos Públicos prevê que a entidade
adjudicante pode introduzir no respetivo programa “regras destinadas a proteger
o carácter confidencial das informações contidas nas peças do procedimento”.
A preterição das formalidades ou da
sequência legal ou regulamentar dos procedimentos de contratação pública
constitui uma ilegalidade que a lei e os princípios gerais sancionam de diverso
modo, consoante a dignidade da norma violada, o interesse por ela protegido e
os reflexos da infração cometida no desenrolar e decisão do procedimento.
Quanto aos atos formalmente ilegais da autoria de qualquer dos candidatos ou
concorrentes que participam, a sua eventual invalidade só releva na medida em
que se repercuta numa decisão ou omissão da entidade adjudicante que tomem o
ato do particular como seu pressuposto (ou requisito), sendo então em função da
hipotética invalidade causada com isso a tal decisão que se determina a sanção
aplicável ao caso.
Havendo ilegalidade invalidante, a regra é
a da anulabilidade do ato ou decisão administrativa, aplicando-se-lhe assim,
nessa parte o regime dos arts. 135º e 137º (a
contrario) do CPA.
1.2.4.
Princípios subjacentes à atuação da Administração em sede de Concursos Públicos
Princípio de
Livre-Concorrência
É um princípio que, pela sua larga abrangência
a subprincípios e corolários reconduzíveis ao princípio da igualdade, acaba por
ser a este remetido, uma vez que vem tutelar valores e interesses idênticos. Na
sua essência – e daí a sua remissão para a igualdade – exige-se de que os concorrentes
sejam tratados de forma igual, exigindo-lhes os mesmos requisitos de acesso e
assim, colocá-los nas mesmas condições para vencer o concurso público.
Princípio da
Igualdade
É um princípio imanente aos concursos
públicos e ao particular concurso público que vimos defender. Afigura-se como
um princípio que, dada a sua substância e relevo constitucional enquanto pilar
fundamental do mais elementar princípio do Estado de Direito (democrático), tem
um tratamento dogmático e alcance extenso e complexo. No que diz respeito ao
princípio da livre concorrência e à relação (de grande cumplicidade, refira-se)
havida entre os dois princípios, decorrerá que serão ilegítimas todas e
quaisquer disposições que venham a restringir, condicionar e limitar a concorrência
vindo subverter a natureza do concurso público, transformando-o num concurso limitado. Claro está, e este é
um ponto supra frisado e que voltamos
a frisar, destas exigências de legalidade e livre concorrência não decorre um
imperativo de sobre-limitação dos requisitos a ponderar para efeitos de
admissão num concurso público: impõe-se
um tratamento igual do que é igual e desigual daquilo que é diferente, como
se sabe, mas sempre almejando a definição de requisitos de caráter geral de
acesso (ou possibilidade de admissão) a tal concurso. Também é ademais sabido
que para fazer tratar por igual o é que é igual e diferente o que é diferente
tal será sinónimo de atender a requisitos gerais de ‘absoluta igualdade’ entre
todos os que os preenchem, não se permitindo requisitos que na sua essência são
critérios de exclusão discriminatórios (no pior sentido da palavra )mesmo que a
justificação para tal seja o interesse público: tanto mais que não seja porque
a proibição da discriminação é uma decorrência constitucional com um aspeto
absolutamente fundamental no nosso ordenamento inegável e inultrapassável.
Posto isto, em síntese, deve-se assumir que os procedimentos de contratação
pública têm de estar necessariamente subordinados às exigências legais, numa
postura de abertura ao mercado que fomente uma sensação de confiança da parte
dos interessados na avaliação subjetiva e objetiva que se fará da sua
pretensão.
De tudo o exposto no que concerne ao
princípio da igualdade, cujo tratamento extensivo não nos cabe, importa ter
sempre bem patente o relevo estrutural, fundacional que este assume ao nível do
nosso ordenamento, o que vem explicar a sua consagração no Art.º 13/1 da
Constituição da República Portuguesa, conferindo aos cidadãos a mesma dignidade
social e igualdade perante a lei. E essa importância só tinha de vir
consubstanciada em lei, dispondo o Art.º 6 do CPA que a Administração Pública
deverá de atuar de acordo com o princípio da igualdade no que diz respeito aos
particulares, não conceder benefícios ou prejudicar alguém em função de
critérios com potencial-discriminatório referidos na lei. Reforçando o que já
foi abordado no parágrafo anterior, reside na igualdade dois vértices
essenciais e distintos avançados pela doutrina: o da proibição da discriminação (ativa ou passiva) e um tratamento
necessário do igual ao que é igual, e do diferente na medida da diferença.
Princípio da Boa
Fé
Também é um princípio que vemos subjacente
às relações jurídicas em geral, e, dada a sua importância e relevo basilar,
também está presente nos concursos públicos, que têm a especificidade de
consistir num procedimento administrativo pré-contratual onde se cria uma
relação de confiança juridicamente tutelada entre a entidade adjudicante e os
potenciais cocontratantes. Estaremos a falar de uma confiança legitimamente
fomentada e que, por isso, merecerá tutela do Direito, quando a Administração
torna pública a sua intenção de contratar por concurso público: o princípio da
tutela da confiança afirma-se plenamente em sede de concursos públicos, tendo
não só em conta a legítima confiança suscitada nos interessados, como a própria
natureza que o concurso público assume, de procedimento administrativo que vem preceder
à celebração de um contrato. O certo juízo de intencionalidade da parte da
Administração em contratar, que nos é dado pelo concurso público, ou seja, um
procedimento (administrativo) pré-contratual prova-nos a necessária
admissibilidade da boa fé e da tutela da confiança enquanto regedoras dos
concursos públicos, não devendo estes na qualidade de procedimento
administrativo pré-contratual lesar a legítima confiança das partes (que, de
resto, é algo transversal ao Direito).
Princípio da
Imparcialidade
De tudo o exposto decorrerá a necessidade
de um princípio da imparcialidade, que é inerente à natureza do concurso
público. Este princípio, historicamente de base processual e aplicado pelos
Tribunais ao longo dos tempos, prescreve que a Administração Pública deverá ser
dotada de total imparcialidade, quer na resolução de um caso, quer na emissão
de normas gerais e abstratas (que pode fazer, refira-se). Em suma, exige-se uma
posição altiva, distante, idónea, “acima das partes” como forma de salvaguardar
ao máximo a segurança jurídica. Toda uma lógica que não deve eclipsar em sede de
concursos públicos.
Da imparcialidade decorrerá
necessariamente que a Administração Pública deverá tomar as suas decisões com
base em critérios objetivos que permitam a prossecução do interesse público,
rejeitando-se a aplicação de critérios subjetivistas,
subordinados a interesses alheios das partes, desde órgãos, a funcionários ou
mesmo, no limite, a partidos políticos. Deste raciocínio podemos assim
destrinçar o princípio da imparcialidade em duas vertentes.
Na vertente positiva, estará em causa um
dever da Administração Pública de ponderar todos os interesses públicos e
privados considerados relevantes ao caso concreto, considerando-se parciais
todas as decisões que não hajam tido exaustiva ponderação dos interesses
juridicamente protegidos, atendíveis.
Na vertente negativa, que nos interessa
especialmente para a contestação que ora fazemos, quer os titulares de órgãos,
quer os agentes da Administração estarão impedidos de intervir em atos que
digam respeito a questões relacionadas com interesses pessoais ou familiares.
Quanto a esta, destacam-se duas situações consequenciais lógicas: as de
impedimento e as de suspeição, considerando-se as primeiras mais graves que as
segundas.
A diferença entre estas duas situações
relaciona-se essencialmente com o facto de nas situações de impedimento, a lei
vir obrigar a uma substituição do órgão ou do agente administrativo
(normalmente competente, ao passo que nas situações de suspeição, a
substituição não se tem como obrigatória mas sim facultativa, ficando a cargo de
ser requerida pelo próprio órgão/agente que pedirá escusa de participar naquele
procedimento; pode também ser requerida pelo particular que, num imperativo de
salvaguarda das suas pretensões, teme pela imparcialidade da ponderação a ser
feita. Para efeitos da contestação que aqui fazemos, a imparcialidade
afigura-se como um ponto que importa destacar e defender pela sua manutenção, sendo precisamente em matéria de suspeição
(vulgo, incompatibilidades) que ora abaixo faremos a nossa refutação ao que
terá sido alegado pelo(s) particular(es).
A Prossecução do
Interesse Público
Está bem presente que a Administração
Pública está adstrita à necessidade de prosseguir o interesse público, com
limites claro: legais e mesmo no que concerne a juízos de proporcionalidade,
por exemplo. Só assim conseguirá esta alcançar a melhor satisfação do interesse
que se visa prosseguir. Desta premissa podemos rapidamente concluir que a
prossecução do interesse público é um corolário subordinado e limitado pelo
princípio da legalidade que, enquanto absolutamente basilar no nosso
ordenamento, encontra-se previsto nos Arts.º 266/2 da CRP e no Art.º 3/1 do
CPA, afigurando-se como um princípio basilar do Direito Administrativo, como se
sabe.
Não obstante a sua essencialidade, este
está sujeito a três exceções, que a Doutrina habitualmente apõe: teoria dos atos
políticos, o estado de necessidade e o próprio poder discricionário da
Administração, que, em bom rigor não é uma “mera” exceção mas uma verdadeira
forma especial de legalidade administrativa, que ocorre nas situações em que a
regulamentação legal da atividade administrativa não se tem completa,
conferindo à Administração Pública a capacidade (leia-se, discricionariedade)
de, vinculadamente, encontrar a solução que melhor se enquadre e se adeque à
prossecução de um interesse público. Para além da sua necessária e íntima
relação havida com o interesse público e a sua prossecução, o poder
discricionário reconduz-se a imperativos subjacentes ao princípio da legalidade,
uma vez que este só será possível quando a lei atribui à Administração a
faculdade de escolher o modo como deverá proceder (subjaz aqui a lógica de
auto-vinculação inerente à Administração, como supra referida).
No que concerne ao caso com que ora nos
debatemos, o poder discricionário evidencia-se na questão relacionada com Manuel Sabichão, uma vez que a norma vem
apenas indicar os temas aos quais se devem circunscrever as questões que irão
compor a prova de conhecimentos, conferindo à Administração a liberdade
(discricionariedade) de decidir quais as concretas perguntas que comporão a
respetiva prova que veio a ser realizada pelo douto particular.
1.2.5. O Ministério do Ambiente
A defesa do Ministério do Ambiente deve
também alicerçar-se nas leis que o estipulam ou que, de certo modo, o
complementam.
Passaremos então, nos próximos parágrafos
da nossa argumentação, à análise precípua da Lei Orgânica do Governo e ao decreto-lei nº 17/2014, de 4 de Fevereiro,
que aprova a Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território
e Energia.
A Lei Orgânica do Governo, relativamente à
estrutura do Governo, consagra, no seu artigo
1º/1, conjugado com o artigo 2º/a),
que o Ministro do Ambiente e da Transição Energética é parte constituinte do
Governo, especificando no seu artigo 16º quais os coadjuvados no exercício das
suas funções, a saber: o Secretário de
Estado Adjunto da Mobilidade, o Secretário de Estado do Ambiente, a Secretária
de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza e o
Secretário de Estado da Energia. Importante, neste seguimento, é chamar
à colação o artigo 10º/1, dada a
essencial cooperação do Secretário de Estado do Ambiente com o Ministro do
Ambiente nos trabalhos executados.
O Ministro do Ambiente e da Transição Energética
é, nos termos da Lei Orgânica do Governo, competente para “a formulação, condução, execução e avaliação das políticas do
Ambiente, bem como todos os parâmetros que se enquadrem no ordenamento do
território – cidades, transportes urbanos, suburbanos e rodoviários de
passageiros, mobilidade, alterações climáticas, clima, conservação da natureza
e energia e geologia”. Exerce a direção da Secretaria Geral do
Ministério do Ambiente, no termos do artigo
26º/2/a), logo, tal é essencialmente relevante para o nosso caso, onde
estamos, de facto, na presença de uma política em matéria de Ambiente e
conservação da Natureza (cujo objetivo é, essencialmente, preservar as
florestas portuguesas na iminência dos nefastos incêndios que assolam todos os
anos o território nacional).
O número
5 do mesmo artigo merece também, neste âmbito, o devido destaque, uma vez
que postula que o Ministro em causa, aliando-se ao Ministro da Agricultura,
Florestas e Desenvolvimento Rural, exerce a dita superintendência sobre o Instituto
da Conservação da Natureza e das Florestas, quanto às matérias que se incluam
nas suas atribuições. Esta mesma relação vai de encontro ao que está vertido na
própria Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, ordenamento do território e
energia, no seu artigo 20º/1. A
partir da referida Lei Orgânica poderemos, pois, enquadrar a conduta do
Ministro do Ambiente quanto à abertura do concurso extraordinário para o
ingresso na carreira de guarda-florestal, evidenciando-se aqui aspetos
relevantes para a fundamentação da sua posição.
Veja-se, neste sentido, o artigo 2º e a subsequente enumeração
das atribuições do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia
(MAOTE). Salientam-se, aqui, no nosso
entender, “o dever de promover a
proteção, valorização e a utilização dos recursos naturais, territoriais,
energéticos e geológicos, na medida em que deve garantir a preservação do
património natural, a conservação da natureza e, por fim, a proteção e
valorização da paisagem”. Ainda de ressalvar é que, se analisarmos cuidadosamente
o artigo 4º/a), fica bem patente que
o Ministério executa as suas atribuições recorrendo aos serviços integrados na
Administração Direta do Estado, no qual se inclui, designadamente, a Secretaria
Geral do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.
Finalmente, por seu turno, as competências
da Secretaria Geral do Ambiente vêm mencionadas infra, no artigo 9º, sendo elas: “a
missão de garantir o apoio à formulação de políticas, ao planeamento
estratégico e operacional, à atuação do MAOTE no âmbito internacional, (…), bem
como assegurar o apoio técnico e administrativo dos gabinetes dos membros do
Governo integrados no MAOTE e aos demais órgãos e serviços nele integrados (…)”.
Em face de todas estas considerações que se nos afiguram fundamentais, pode
afirmar-se que o Secretário de Estado do Ambiente, mediante ordens do Ministro
do Ambiente, teria competência para
proceder à abertura do concurso, cuja finalidade era a prevenção dos riscos de
incêndio nas florestas.
2. A exclusão de João Sorridente
O Aviso vem restringir o número de dentes
(não substituídos por prótese) que o guarda florestal pode ter em falta, em
virtude do facto de, direta ou indiretamente, a higiene oral se ressentir na
performance e desempenho do guarda-florestal. No que
respeita à exclusão de João Sorridente com fundamento na falta de 6 dentes cabe à Administração Pública explicar o porque da existência deste critério. À
partida, e numa visão um tanto ou quanto limitada, poderia parecer um ato de discriminação
para com João Sorridente. A verdade é que a existência deste critério não é
demagoga nem prepotente.
Primeiramente, a falta de dentes poderá constituir
um obstáculo ao guarda florestal no desempenho de certas funções que poderão
ser necessárias num estado de emergência, ou de sítio. De entre as mais
variadas situações que poderão ocorrer, como por exemplo pedagógico, libertar
um animal preso numa corda ou arame e, sem qualquer outro meio ou instrumento
do qual se possa recorrer, poderá o guarda florestal, intuitivamente, recorrer
à dentição para libertar o referido animal. Ou, na eventualidade de ter de
prestar os primeiros socorros a um transeunte ferido, e não tendo forma de
abrir a embalagem que contém ligaduras (para estacar a hemorragia) poderá
novamente recorrer à dentição.
Isto posto, a falta de dentes poderia
vedar uma ação improvisada do guarda florestal numa situação em que se revela
imperioso agir com celeridade, celeridade essa que pode, como exemplificado, ser
posta em causa com falta de dentição, pondo-se em risco a efetividade e a
própria dinâmica da segurança da floresta.
Por sua vez, constitui fundamento o facto
de a dicção por si só poder ficar prejudicada. Efetivamente, os dentes
trabalham conjuntamente com os músculos faciais e a língua para a produção da
fala, pelo que se algo não funciona bem neste sentido, a fala poderá ser
afetada. Consequentemente, na eventualidade da ocorrência de um incêndio, sendo
necessário agir com a maior rapidez possível, a fim de evitar males maiores, um
distúrbio na fala poderá obstar à perceção, por parte de quem o guarda
florestal tente avisar, do que está realmente a acontecer.
Poderá também a dentição (ou falta dela)
revelar alguns aspetos fundamentais sobre a pessoa que concorre ao estatuto de
guarda-florestal, nomeadamente, atendendo-se ao facto de que, na maior parte
das vezes, a falta de dentição se revela sintomática da carência de higiene
oral, higiene essa que constitui um hábito essencial e inabdicável. Perguntar-se-á
se a pessoa que não revela o referido cuidado, terá o perfil indicado e
pautar-se-á pelos padrões de diligência adequados para cuidar de um recurso
natural, cuja manutenção e bem-estar é do interesse público.
Por outro lado, a falta de dentes torna o
indivíduo mais vulnerável a infeções orais e pode levar à alteração de posicionamento
dos restantes dentes na gengiva, o que, por sua vez, é passível de acelerar a
queda dos dentes.
Quanto à preocupação
com a má aparência, esta surge, neste sentido, como um fator social, tendo em
conta que João Sorridente não possuía
seis dentes da frente. São precisamente os dentes da frente (ou a falta destes)
que estaria mais à vista das pessoas com quem o candidato entrasse em contacto,
ao exercer uma das suas funções, enquanto guarda florestal: o controlo e
segurança dos visitantes.
Desta
forma, a "má aparência" de um guarda florestal não pode ser
interpretada restritivamente. Atenda-se aqui aos princípios que um guarda florestal
tem de concretizar, entre outros, o princípio da aproximação entre prevenção e
combate, que irá implicar um reforço para a prevenção e vigilância e o
princípio da especialização que permite a progressiva e tendencial segmentação
de meios vocacionados para a proteção de pessoas e bens, e para a gestão de
fogos rurais.
É
necessário relembrar que os guardas-florestais exercem funções em matérias que
por lei lhes atribuem a qualidade de órgãos de polícia criminal. Essas funções,
aliadas às qualificações que detêm, são uma mais valia na prossecução do
serviço da GNR, em prol da proteção do ambiente, da riqueza cinegética,
piscícola e florestal. De modo a melhorar o funcionamento da organização
administrativa desta atividade, que veio aumentar a respeitabilidade e a
confiança pública que esta função deve ter. De maneira a manter esta
respeitabilidade e confiança, há certos requisitos que não podem ser ignorados,
mantendo em harmonia as funções da Administração Públicas com os seus destinatários
e são assegurados pela mesma.
Aliás,
podemos até argumentar que a falta de dentes (e isto é extremamente reforçado
para um caso como este em que haja a falta de seis dentes da frente) pode
contundir com a desinibição do guarda florestal no desempenho dessas mesmas
funções (que envolvam o contacto com outras pessoas), relacionando-se com uma
eventual perda de confiança do próprio (aqui, no sentido de que o guarda florestal
nestas funções poderia revelar-se menos afoito).
No Aviso
nº 3055/2019, verifica-se que as condições do concurso para guarda florestal
são idênticas às de qualquer outro procedimento de contratação para agente das
forças policiais ou de segurança. Os guardas florestais pertencem à GNR.
Cabe debruçarmo-nos
sobre um último argumento:
Partindo do princípio
de que nos dias que correm conseguimos excluir, a 99%, doenças que, de forma
inata, provocam a perda de dentes (tal como o escorbuto) e de que, a existirem,
conseguimos facilmente provar que tais doenças se vêm a manifestar devido a uma
alimentação pouco nutritiva do doente ou falta de cuidado na higiene oral
devemos focar-nos naquilo que, hoje em dia, provoca a perda da dentição.
Em pleno século
XXI, os avanços tecnológicos a que temos assistido nos últimos anos têm
permitido avanços abismais nas várias áreas científicas, nomeadamente, na
medicina. Na verdade, hoje em dia, é possível detetar patologias através de
pequenas marcas, feridas, etc. sem ter que sujeitar o doente a qualquer tipo de
exame mais profundo e complexo. Abordamos este assunto porque através do tipo
de dentição ou de fragilidades da mesma, um profissional de saúde, consegue antecipar
problemas mais graves e que ultrapassam, a muitos níveis, a perda de dentes.
Vejamos os seguintes exemplos: a perda de dentição pode ser provocada por uma
neuralgia ou tique doloroso do nervo trigémeo, que se caracteriza por fortes
parestesias e dores agudas muito facilmente confundidas com uma simples dor
dentária e que, normalmente, culmina na extração de diversos dentes. Pode ainda
ocultar uma doença desmielinizante, como por exemplo a esclerose lateral
amiotrófica (doença que provoca a destruição do tecido nervoso) ou pode ainda
indiciar a existência de certos tumores intra-cranianos que podem comprimir o
nervo. Ainda assim, e sendo esta uma doença que não afeta grande parte da
população devemos olhar para algo mais comum como é o caso da gengivite. A gengivite
é, em fase inicial e como o nome indica, uma inflamação da gengiva. O problema
reside no facto de, na grande maioria dos casos, esta inflamação resultar numa
infeção gengival grave que afeta os tecidos de suporte do dente designada
periodontite. Esta doença pode ser associada à má higiene oral ou á
hereditariedade, sendo comum em pessoas com má nutrição, fumadores ou que
tenham doenças que diminuem a eficiência do sistema imunitário como é o caso do
vírus da sida ou da doença celíaca.
Feito o
enquadramento científico, passemos àquilo que deve ter por base um profissional
de uma força de segurança. Em qualquer uma das várias funções que se podem
desempenhar na carreira militar, a robustez física é, certamente, dos
requisitos mais importantes e primários. Pode ser entendida como resistência
física e psicológica sendo que quando falamos em resistência física
referimo-nos, não só a resistência física propriamente dita mas também àquela
que não controlamos e que, por vezes, pode ser muito mais difícil de construir e
cuja falta pode ser associada ao que foi referido anteriormente.
Este último argumento justifica novamente
a formulação da regra do Aviso na configuração que apresenta, mas que não procede
neste caso concreto, uma vez que João
Sorridente havia perdido os dentes na sequência de um acidente com um navio
baleeiro e não por decorrência de qualquer das patologias referidas.
Continua a servir para corroborar a fundamentação
do critério estabelecido, uma vez que os casos em que as pessoas perdem, por
força de um acidente, tal número de dentes serão demasiado raros para se
considerarem necessários na definição do regime.
Podemos ainda acrescentar que ao admitir,
no concurso, João Sorridente, a
Administração correria o risco de abrir precedentes, ultrapassando os critérios
impostos e regulados no diplome e que anteriormente foram, de igual forma,
causa de exclusão de outros concorrentes. De qualquer modo, valem, para o caso sub judice, os argumentos anteriormente apresentados.
Assim, considera-se justificável a
regulação impeditiva da admissão de candidatos a quem faltem cinco ou mais
dentes não substituídos por prótese e a subsunção da situação de João Sorridente à previsão da mesma norma.
Sublinha-se que uma dentição saudável pode contribuir para um melhor desempenho
do guarda florestal, evitando-se, assim, trâmites desagradáveis e ineficiência
numa situação de emergência.
3. A exclusão de Manuel Sabichão
Cabe agora examinar os argumentos que dizem respeito ao particular Manuel Sabichão. Ora, este vem
argumentar que a prova de conhecimentos que teve de prestar, em que foi
confrontado com uma questão de escolha múltipla que dizia respeito a um confronto
e identificação de doutrinas de Direito do Ambiente não corresponde ao que vem
a ser estipulado no Aviso 3055/2019, no ponto 11.1, alínea a), ponto 4, que nos
diz: “É
constituída pelas matérias de língua portuguesa, ao nível do conteúdo programático
até ao 12.º ano de escolaridade; temas de cultura geral sobre a atualidade; Lei
n.º 63/2007, de 6 de novembro, com as alterações introduzidas pela Declaração
de Retificação n.º 1-A/2008, de 4 de janeiro; ECGF, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 247/2015, de 23 de outubro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 114/2018 de 18
de dezembro; Decreto-Lei n.º 22/2006, de 2 de fevereiro e Portaria 798/2006, de
11 de agosto.”
Daqui, argumenta a parte em dois
planos: num primeiro plano, o Aviso de Concurso Público relevante à causa não
vem estabelecer de forma expressa uma permissibilidade de temas de Direito do
Ambiente na prova de conhecimentos, nem fazendo sequer qualquer alusão a
doutrina de Direito do Ambiente; num segundo plano, argumenta-se ainda que o
conteúdo da prova de conhecimentos com que Manuel Sabichão se viu confrontado
seria algo exigível a um jurista ou um especialista em Direito do Ambiente, e
não a alguém com um nível de formação do 12º ano de escolaridade.
Em consequência, invoca-se a violação
do princípio da boa fé por ter havido uma violação da tutela legítima da
confiança, em virtude de o particular se sentir frustrado na sua legítima
confiança por força da limitação programática do aviso com que o particular
legitimamente contou não corresponder à verdade material do conteúdo da prova
que veio a realizar, invocando-se para o efeito o Art.º 266/2 da CRP e ainda o
Art.º 10 do CPA.
Por conseguinte, invoca-se ainda a
violação do princípio da proporcionalidade, previsto no Art.º 7 do CPA pela
desadequação da atuação da Administração ante o fim que se propôs a prosseguir,
violando-se em consequência um princípio de necessidade pela manifesta
desadequação entre o conteúdo da prova de conhecimentos e o que é exigido a
nível de competências a um guarda-florestal, tendo como referência o conteúdo
funcional da carreira de guarda-florestal, constante do Art.º 39 do Estatuto da
Carreira de Guarda Florestal (doravante, ECGF) ínsito ao Decreto-lei nº
246/2015 e ao seu Anexo II, quanto às concretas competências funcionais
(específicas) de um guarda florestal.
Cumpre-nos o contraditório. Ora, é
verdade que a prova de conhecimentos constante deste concurso público se encontrava
circunscrita a conteúdos programáticos até ao 12º ano de escolaridade, o que, à
partida, nos faria intuir que a prova, por se centrar em temáticas de Direito
do Ambiente, estaria inquinada, fazendo colapsar todo o concurso público.
Contudo, o Aviso também vem circunscrever (leia-se, alargar) a prova de
conhecimentos a temas de cultura geral da atualidade. Importa ter em mente a
maleabilidade que subjaz ao próprio conceito de “cultura geral”, que, apesar de
ter um teor objetivo – enquanto elemento de conhecimento geral e transversal a
uma grande quantidade de pessoas – tem também um manifesto teor de
subjetividade, na medida em que o que para
uns pode representar um conhecimento de cultura geral, para outros pode não
sê-lo, e vice versa; e tal é algo transversal às várias áreas do saber. Assim,
há a concluir que o conceito de cultura geral (da atualidade) não é estanque e
está sujeito a maleabilidade, em função do interesse que os indivíduos possam
ter nas mais diversas áreas: o que para A é manifestamente evidente ao ponto de
ser ‘cultura geral’ pode não sê-lo para B, e vice-versa.
E este raciocínio é também aplicado
ao Direito do Ambiente e à sua relação com a carreira e profissão de
guarda-florestal, enquanto carreira de íntima relação com temáticas da natureza
e do Ambiente lato sensu.
Ora, atendendo à particularidade da
carreira de guarda-florestal, será óbvio assumir que um candidato a
guarda-florestal será alguém com algum grau de genuíno interesse (e
consequentemente, conhecimento) nas áreas do Ambiente; e tendo em conta as
competências genéricas do guarda-florestal (Art.º 37 do ECGF) de prestação de
diligências legais e de fiscalização, bem como o conteúdo funcional dessas
competências [descrito no Anexo II do Estatuto - onde cumpre destacar a
ministração de formação em áreas da competência do guarda-florestal bem como a
execução de tarefas administrativas (em substituição do mestre-florestal], tudo
isso nos leva a intuir que haja algum nível de interesse e, assim, de
sensibilidade (jurídica) num tema que será íntimo – ou querer-se-á íntimo – do
interesse dos candidatos, pelo que, em síntese, podemos considerar como abrangido
pela noção de cultura geral um certo nível de conhecimento ou interesse em
Direito do Ambiente, essencial à carreira que os candidatos visavam integrar.
É certo que não era exigível um
elevado nível de sensibilidade jurídica e dinâmica analítico-interpretativa uma
vez que essa caberá aos juristas ou especialistas na área, mas, atendendo à
própria natureza da prova de conhecimentos (escolha múltipla) chega-se à
conclusão de que, em face das exigências da função, da cultura geral
necessariamente pressuposta a uma área tão particular como esta (que requer um
genuíno interesse dos candidatos extensível a um mínimo grau de ‘perceção
jurídica’) e da própria natureza da prova de conhecimentos, não houve uma
violação da boa fé ou da tutela da confiança, e por conseguinte, do princípio
da proporcionalidade.
O conteúdo material da prova era
reconduzível a uma noção de cultura geral específica daquela área, afigurando-se
adequada. Para além do mais, considerando mesmo a natureza mainstream da temática do Ambiente e do consequente surgir (em
força) dos denominados direitos de nova
geração como é o Direito do Ambiente, a própria noção de cultura geral que
cremos específica acaba por se alargar, dada a massificação do conhecimento e
do interesse por essa área, revelando uma maior suscetibilidade de conhecimento
e percetibilidade das teses doutrinárias alvo de prova de conhecimentos.
Em último ponto, atendendo às
competências do guarda-florestal, baseada nas normas suprarreferidas, o
conhecimento de diferentes posições doutrinárias pode ser sinónimo de uma mais
eficiente prossecução do interesse público, já que conhecendo duas vias
doutrinárias – que, por hipótese, poderão defluir em caminhos distintos –
ter-se-á a hipótese de optar, fundadamente, pela que melhor o preserva,
consubstanciando, deste modo, a necessidade (e essencialidade) do conhecimento
(ainda que minimamente superficial, como decorre da natureza da prova) dos
entendimentos doutrinários para um bom desempenho das funções para as quais os
interessados se candidataram, e que teriam necessariamente de ter em conta.
Refira-se brevemente ainda que, e
atentando para o ponto 14 e número 3 do ponto 11.1/a do Aviso 3055/2019,
valendo a prova cerca de 75% da ponderação final, e em função da fórmula de
cálculo enunciada no mesmo diploma (ponto 14), Manuel Sabichão não poderia
sequer vir invocar com precisão que teria sido excluído do concurso por ter a
classificação de zero valores numa das provas, dado que as restantes provas e
respetivas classificações também são devidamente ponderadas, pesando na
avaliação final, que, com muita probabilidade, não seria de zero valores.
4. Da rejeição da suspeição
Quanto à suspeita
de suspeição e necessidade de escusa, invocada pela outra parte com fundamento
no Art.º 73/1/a do CPA por virtude da relação de parentesco (no terceiro grau)
havida entre o Assessor e o Secretário de Estado do Ambiente, alega-se um dever
de pedido de dispensa de intervir no procedimento que, não tendo sido invocado,
teria inquinado o processo de escolha dos candidatos, e o concurso público em
geral, vindo a parte consequentemente alegar uma violação do princípio da
imparcialidade.
No que concerne a
toda uma construção teórica do princípio da imparcialidade, já supramencionada,
não se afigura procedente invocar-se a violação deste princípio por uma razão
muito simples: em caso algum estiveram as garantias de imparcialidade –
necessárias e imperativas à condução de um concurso público e de uma decisão
jurídico-administrativa em geral – em risco de degradação ou pura e
simplesmente, ultrapassadas. A relação de parentesco entre Assessor e
Secretário de Estado não inquinou de forma alguma a validade do ato, uma vez
que estes não foram partes interessadas
no concurso público: o Assessor não foi concorrente e o Secretário de
Estado não foi júri, pelo que não há qualquer conflito de interesses que venha
a beliscar minimamente a validade do ato, pelo que este permanece lícito.
Efetivamente, o princípio
da imparcialidade não permite que quem decide possa ter, como já referimos
anteriormente, algum tipo de interesse pessoal na decisão (no “ato” ou
“contrato” referidos no nº1 do artigo 73º CPA), quer seja próprio ou de alguém
da sua família ou a quem esteja ligado por razões de amizade ou de inimizade, o
que não ocorre aqui, visto que, o Secretário de Estado do Ambiente e o seu
primo e Assessor, teriam alegadamente atuado juntos nos atos de seleção e de
graduação dos candidatos a ocupar as cinco vagas na carreira de guarda
florestal, não se justificando por isso a suspeição, que só se daria, neste caso,
se o Secretário de Estado do Ambiente fosse primo, não do assessor, mas de algum
dos candidatos.
Quando muito,
decorrente dos escândalos que são hoje conhecidos como familygate a única censura suscetível de se reconhecer é a mera
censura político-social que não é obviamente juridicamente atendível para o
caso que nos interessa. Posto isto, é nosso entendimento que não há qualquer
aplicação nem do Art.º 73 do CPA nem de um consequente pedido de escusa (Art.º
74 do CPA) uma vez não estando de maneira nenhuma perante uma situação de
suspeição (leia-se, incompatibilidades),
rejeitando-se inequivocamente qualquer anulabilidade do concurso público.
Concluindo, a
alegação de verificação de um conflito de interesses e subjacente hipótese de
suspeição é por nós julgada improcedente por uma simples razão: como consta do
Aviso 3055/2019, de 26 de Fevereiro de 2019, não houve sequer qualquer
participação, quer do Assessor quer do Secretário de Estado no processo de
admissão e escolha dos candidatos, como se depreende do « ponto 24, sendo o
júri composto por militares da GNR:
«Composição do júri:
Presidente:
Major-General Maurício Simão Tendeiro Raleiras
Vogais efetivos:
Tenente-Coronel Luciano
dos Anjos Mesquita Freitas (substitui o presidente nas suas faltas e
impedimentos).
Major Márcio Ribeiro
Nunes
Vogais suplentes:
Major Robson Daniel
Ribeiro Lima
Capitão Marco André
Urbano Pinheiro»
5. Conclusões
A
título de conclusão, cabe relembrar os pontos de refutação principais referidos
ao longo da presente explanação (remetendo a sua fundamentação mais aprofundada
para a mesma):
§
A
falta de seis ou mais dentes, para além de sintomática de aspetos relevantes atinentes
à pessoa do candidato (como a falta de higiene, o padecimento de certas doenças
ou a propensão à verificação de outras), pode, em diversas situações, revelar-se
inibidora da capacidade de ação do guarda florestal.
§
Para
o guarda florestal, enquanto “polícia
ambiental” e assegurando “todas as
ações de polícia florestal, de caça e pesca, designadamente: a) fiscalizar o cumprimento
da legislação florestal, da caça e da pesca, investigando os respetivos
ilícitos”, pode tornar-se essencial a capacidade de identificar uma divergência
doutrinária respeitante a uma questão de Direito do Ambiente, na medida em que
não seja indiferente que o intérprete enverede por uma ou outra posição, ditando
a adoção de uma ou outra posição a produção de resultados diferentes.
§
Finalmente,
quanto à aplicação do regime da suspeição (artigo 73º CPA), declara-se que não
houve qualquer participação dos dois primos (Secretário de Estado do Ambiente e
o seu Assessor) e que mesmo que se tivesse verificado tal participação, a mesma
não seria passível de ser subsumida a um caso de suspeição, uma vez que não havia
qualquer relação entre o decisor e um dos candidatos.
6. Recursos
6.1. Bibliografia
ALMEIDA,
Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime
do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2ªEdição, 2015.
-AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 3ª
Edição, 2016
- SOUSA,
Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral -
Introdução e princípios fundamentais, Dom Quixote
6.2. Webgrafia
Primary culprit for tooth loss
6.3. Legislação consultada
2º ano | Turma B | Subturma 14
Beatriz Vera-Cruz Pinto (nº 58480)
Francisco António Ricardo Jorge Robalo (nº 58413)
Francisco Nunes (nº58424)
Inês Benquerença (nº 56870)
José Vaz Serra Cabrita (nº 58488)
Leonor Batista (nº 58179)
Miguel Alexandre Barbado Badalo (nº 59186)
Pedro Antunes (nº 59170)